Publicado na edição extra do Diário Oficial da União na última quinta-feira (12/01), o pacote de medidas para recuperação fiscal abrange uma série de alterações legislativas, com o objetivo de reduzir a litigiosidade fiscal excessiva e aumentar a arrecadação de tributos.
Compostas por três medidas provisórias, dois decretos e uma portaria, as principais modificações apresentadas pelo Governo Federal são identificadas nas seguintes normas:
- MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.159/2023
No sentido de ratificar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Tema 69 de repercussão geral (RE 574706), a MP nº 1.159/2023 altera as Lei nº 10.637/2002 e da Lei nº 10.833/2003, excluindo os valores atinentes ao ICMS da incidência do PIS e da COFINS.
Apesar de a chamada “tese do século” já estar consolidada no ordenamento jurídico, inclusive por meio da Instrução Normativa RFB nº 2.121/2022, a regulamentação legislativa representa maior segurança jurídica para o contribuinte.
No entanto, essa mesma Medida Provisória surpreende ao determinar a exclusão do ICMS da base de cálculo do crédito das mencionadas contribuições, contrariando o entendimento disposto no Parecer nº 12.943/2021/ME, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e na IN nº 2.121/2022, da Receita Federal.
No Parecer nº 12.943/2021/ME, a Procuradoria esclareceu que “os fundamentos legais para as apurações de débitos e créditos de PIS e COFINS não são idênticos, de modo que não parece possível estender, de forma automática, os efeitos da decisão do STF [no Tema 69 de repercussão geral] para apuração dos créditos”.
Neste contexto, o art. 171, inciso II, da IN nº 2.121/2022, determina expressamente que o ICMS incidente na venda pelo fornecedor poderá ser incluído no cálculo dos créditos das contribuições.
Apesar da evidente contradição, a Medida Provisória nº 1.159/2022 passa a produzir efeitos somente a partir do dia 01/05/2023, em razão da observância da anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, §6º, da Constituição Federal de 1988.
- MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.160/2023
No mesmo pacote, podemos destacar o restabelecimento do voto de qualidade no âmbito do CARF – método de desempate dos julgamentos administrativos no qual se atribui peso dobrado à manifestação do presidente da turma.
O voto de qualidade havia sido extinto pela Lei nº 13.988/2020, que determinou o empate pró-contribuinte, mas foi objeto de três ações diretas de inconstitucionalidade, todas apensadas à ADI 6399. Para saber mais sobre o assunto, clique aqui.
Ainda acerca do tema, o professor Heleno Torres explica que o voto de qualidade não significa, necessariamente, o voto em favor do Fisco, uma vez que, “em órgãos paritários a decisão de desempate exige a efetividade do princípio de proporcionalidade, como ponderação necessária impõe a ‘proibição de excesso’ do voto de qualidade. No entanto, ao atribuir o voto em favor do contribuinte, extingue-se a necessidade de observância ao excesso, de forma que sempre ocorrerá a extinção do crédito tributário quando houver empate, suprimindo a “presunção de legitimidade do ato de lançamento tributário justamente nas hipóteses de incertezas e dificuldades de maiores complexidades reveladas na interpretação da legislação tributária”.[1]
A MP nº 1.160/22 também institui a chamada denúncia espontânea extraordinária, na qual o sujeito passivo deverá confessar o crédito, antes de sua constituição, e, concomitantemente, efetuar o pagamento integral do tributo, sendo afastada a incidência da multa de mora e de ofício.
Diferentemente da denúncia espontânea prevista no Código Tributário Nacional, a modalidade extraordinária poderá ocorrer mesmo após o começo do procedimento fiscal, desde que este tenha iniciado até o último dia 12/01/2023.
Ainda no intuito de reduzir a litigiosidade excessiva, a MP permite à Receita Federal adotar medidas preventivas para autorregularização de obrigações principais e acessórias, bem como estabelecer programas de regularidade fiscal.
Por fim, a norma eleva o teto de valor processual para o julgamento definitivo nas Delegacias Regionais de Julgamento, sem sujeição a recurso ao CARF, saindo de 60 para 1.000 salários mínimos.
- PORTARIA CONJUNTA PGFN/RFB Nº 01/2023
O último destaque do pacote de medidas para recuperação fiscal se refere à Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2023, instituindo o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (PRLF), com condições especiais para transação tributária.
A portaria disponibiliza 3 modalidades para parcelamento dos créditos tributários que possuam recursos pendentes de julgamento no âmbito da DRJ ou do CARF:
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- Créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação: redução de 100% dos juros e da multa, limitado até 65% sobre o valor total de cada crédito, com pagamento de no mínimo 30% do saldo devedor em dinheiro, em até nove parcelas, e o restante, com uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL, desde que apurado até 31/12/2021;
- Créditos com alta ou média perspectiva de recuperação: modalidade sem redução de juros e multa, com pagamento de no mínimo 48% dos créditos transacionados em nove parcelas, e o restante, com uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL, desde que apurado até 31/12/2021;
- Pagamento sem utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL: pagamento de 4% do valor consolidado dos créditos como entrada, e o restante, pago com redução de até 100% de juros e multas, observado o limite de até 65% sobre o valor de cada crédito, em até duas prestações e de até 50% sobre o valor total de cada crédito, em até oito prestações.
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Assim, para ingresso no Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal, o contribuinte poderá formalizar requerimento de adesão entre os dias 01/02/2023 a 31/03/2023, mediante abertura de processo digital no e-CAC.
Além dos destaques mencionados, o Governo Federal também publicou a Medida Provisória nº 1.158/2023, que vinculou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) ao Ministério da Fazenda; e o Decreto nº 11.379/23, que instituiu o Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais, como parte do pacote de medidas para recuperação de créditos.
[1] TORRES, Heleno. O STF e o voto de qualidade no processo administrativo fiscal. Publicado em 31/03/2021. Disponível em: ConJur – O STF e o voto de qualidade no processo administrativo fiscal