Ao julgar o REsp nº 1.854.143/MG, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, por unanimidade, o direito do contribuinte ao aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes da energia elétrica consumida no processo produtivo de gases ventados.
O caso teve origem em embargos à execução opostos por contribuinte fabricante de gases industriais, contra execução fiscal ajuizada pelo Estado de Minas Gerais, que buscava o estorno dos créditos de ICMS relativos à aquisição de energia elétrica utilizada na produção de gases industriais e medicinais, com destaque para os gases ventados.
Em síntese, os gases ventados são considerados descartes do processo produtivo de gases industriais e medicinais, por não atenderem aos critérios de qualidade exigidos pelos compradores. Quando não dispersos na atmosfera — ou seja, quando acumulados pelo fabricante — esses gases podem comprometer a qualidade da produção regular, além de danificar a estrutura física da indústria.
Ao interpor o Recurso Especial, o Estado de Minas Gerais argumentou que os gases ventados, por resultarem da falta ou redução do consumo pelos clientes, não estão sujeitos à tributação pelo ICMS. Com isso, defendeu que o estorno dos créditos de ICMS sobre a energia elétrica utilizada na produção desses gases seria necessário, proporcionalmente às saídas não tributadas.
No entanto, ao analisar o caso, a Primeira Turma do STJ concluiu que a legislação não condiciona o aproveitamento dos créditos de ICMS à destinação da mercadoria final produzida com o insumo adquirido. Com base no artigo 20, §1º, e no artigo 33, II, ‘b’, da Lei Complementar nº 87/1996, o colegiado entendeu que, embora a comercialização seja uma finalidade do processo industrial, a norma não impõe essa restrição, não cabendo ao Poder Judiciário extrapolar a competência do Poder Legislativo neste cenário.
Assim, a Primeira Turma definiu que os gases ventados representam perdas naturais do processo produtivo e, embora não sejam comercializados, não afastam o direito ao crédito de ICMS sobre a energia elétrica utilizada, uma vez que seu consumo ocorreu no contexto da industrialização.
Neste cenário, embora tenha reconhecido o entendimento contrário adotado pela Segunda Turma do STJ, no sentido de que a não comercialização dos gases ventados impede o aproveitamento do crédito de ICMS sobre essa parcela (AREsp 2.439.507/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 29/11/2024), a Primeira Turma concluiu que deverá prevalecer a orientação firmada pela Primeira Seção do STJ, segundo a qual “é cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa — essencialidade em relação à atividade-fim” (EAREsp n. 1.775.781/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 11/10/2023, DJe de 1/12/2023).
Com essa decisão, o STJ reafirma o direito do contribuinte ao crédito de ICMS sobre a energia elétrica empregada na produção, independentemente do destino final dos subprodutos gerados.