Publicada Lei Complementar para cobrança do DIFAL da Emenda Constitucional 87/2015

Mesmo com a regulamentação, o debate sobre o tema deve ser ainda maior neste ano

Imagem – Canva

Sancionada pelo presidente da República, a Lei Complementar nº 190/2022 foi publicada nesta quarta-feira (05/01) no Diário Oficial da União. O diploma legal regulamenta a cobrança do diferencial de alíquota do ICMS – o chamado Difal – e é fruto do Projeto de Lei Complementar nº 32/2021, aprovado pelo Congresso Nacional no fim de dezembro.

A obrigação de pagamento do DIFAL nas operações para consumidor final não contribuinte do ICMS foi instituída pela Emenda Constitucional nº 87/2015, que alterou o art. 155, §2º, inciso VII da CF/88, determinando, também, que nas operações interestaduais sempre seja adotada a alíquota interestadual, independentemente do consumidor final ser contribuinte ou não do ICMS.

 

Essa alteração surgiu com o objetivo de evitar embates entre os Estados, inclusive no que se refere às aquisições interestaduais efetuadas por não contribuintes de ICMS por meio não presencial (internet, telemarketing, entre outros).

Apesar de o diferencial de alíquota ter sido instituído pela Emenda Constitucional nº 87/2015, a cobrança do tributo havia sido regulamentada apenas pelo Convênio ICMS nº 93/2015, editado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

Roque Antonio Carrazza, ao tratar sobre o tema, esclarece que a Constituição Federal “exige lei complementar para a disciplina do tema diferencial de alíquota do ICMS. Em outras palavras: exige que o assunto venha disciplinado por uma fonte normativa geral, decorrente do Poder Legislativo, que de nenhum modo se confunde com um convênio advindo do consenso de representantes do Poder Executivo dos Estados-membros e do Distrito Federal. [1]”

Embora pendente de regulamentação, a cobrança já vinha sendo praticada pelas fazendas estaduais.

Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal julgou o pleito, por meio do RE 1.287.019 (tema 1093) e da ADI 5469. O Plenário concordou com os argumentos dos contribuintes e fixou a seguinte tese: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”

Segundo Luiz Fernando Sachet, sócio diretor de contencioso do Marchiori Advogados, “Na ocasião, citando os precedentes do RE no 917.950/SP-AgR, da Segunda Turma, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, e do RE no 1.221.330/SP (Tema nº 1.094), do Tribunal Pleno, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, a Suprema Corte assentou que não podem os estados e o Distrito Federal invocar o art. 24, § 3º, da CF para exigir o DIFAL em tela antes do advento da lei complementar, visto que tais normas estaduais têm eficácia condicionada à vigência e eficácia daquela.”

No entanto, o debate jurídico parece longe do fim.

Como a Lei Complementar nº 190/2022 foi publicada apenas no dia 05 de janeiro, a cobrança do Difal nas operações para consumidor final não contribuinte do ICMS só poderia ocorrer no próximo exercício financeiro – ou seja, em 2023 -, uma vez que se submete ao princípio da anterioridade, em conjunto com a anterioridade nonagesimal, descritos no art. 150, III, “b” e “c” da Constituição Federal.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

Isso porque para que a lei tributária entre em vigor e tenha eficácia, ela deve obedecer, além dos limites formais e materiais que balizam o processo legislativo, os princípios constitucionais da anterioridade e a anterioridade nonagesimal dispostos no at. 150, III, da Constituição Federal.

Curioso que a própria Lei Complementar nº 190/2022 mencione expressamente, em seu art. 3º, obediência apenas ao princípio da anterioridade nonagesimal, mitigando o princípio da anterioridade “anual”.

Este o princípio, disposto no art. 150, III, “b” da Constituição Federal, exige que a lei que cria ou aumenta um tributo somente poderá incidir sobre fatos ocorridos no exercício seguinte ao de sua entrada em vigor.

O sentido crucial desse princípio é a acomodação da segurança jurídica, de modo que o contribuinte não seja surpreendido com a exigência tributária inesperada, como ocorreu no caso em questão.

Utilizando como argumento a aplicação do art. 3º da nova Lei Complementar 190/2022, o Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz) já deixou claro que não entende desse modo, pois tais princípios só deveriam ser respeitados em caso de criação ou de majoração de tributos.

Segundo Alfredo Zanotto Filho, sócio da área de consultoria do Marchiori Advogados, “o entendimento da Comsefaz não se sustenta, pois, a premissa utilizada pelo Supremo no julgamento do RE 1.287.019 (tema 1093) e da ADI 5469 foi, justamente, que a criação de uma nova obrigação tributária, até então inexistente, dependeria da edição de Lei Complementar regulamentando sua exigência, balizando os interesses de todos os Estados. Dessa forma, a submissão dessa lei à anterioridade e anterioridade nonagesimal seria tema já reconhecido e assentado pela Suprema Corte.”

Alguns Estados se manifestaram, ainda, esclarecendo que não pretendem obedecer nem mesmo o período de 90 dias. Em São Paulo, por exemplo, foi editada a Lei nº 17.410, em dezembro de 2021, numa espécie de autorregulamentação da cobrança do Difal.

Porém, a Lei Estadual em questão não é suficiente para o tributo ser exigido pelo fisco paulista, havendo necessidade da edição de Lei Complementar – como já fora decidido pelo STF – e do respeito aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal.

 

[1] ICMS, Roque Antonio Carrazza – 18. ed. rev. e ampl./até a EC n. 104/2019 e de acordo com a LC 87/1996 – São Paulo: Malheiros, 2020. 507 p.

Clique aqui para acessar o material desenvolvido detalhando a aplicabilidade do ICMS-DIFAL da EC nº 87/2015.

Clique aqui para ler a LC nº 190/2022, que regulamentou o DIFAL nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado.

Clique aqui para ler a íntegra do acórdão publicado pelo STF no RE 1.287.019 (tema 1093).

Mesmo com a regulamentação, o debate sobre o tema deve ser ainda maior neste ano